domingo, 11 de maio de 2008

Introdução 'a Shechita - Abate Ritual Judaico


Shechitá: Uma Introdução

1.1 No Princípio

No princípio, D’us criou o mundo material e não permitiu ao ser humano comer
carne animal. Após o dilúvio, foi permitido aos filhos de Noé comerem carne. No entanto,
não foi ordenada a forma do abate. Apenas não era permitido que fosse comido o membro
de um animal vivo (havia que abater o animal primeiro para depois usufruir de sua carne).
E, segundo algumas opiniões, também não se deveria ingerir a carne antes de se remover o
Nervo Ciático (“Guid a Nashe”).
Com a outorga da Tora, foram dadas a Moisés, nosso mestre Z”TL, as leis do abate
conforme a nossa sagrada Torá (a Sagrada Bíblia) , mas estas leis só foram postas em
pratica após o ingresso na Terra Santa. Também foram dados a Moisés, nosso mestre,
distinguir quais animais são puros para serem abatidos e quais animais são considerados
ritualmente impuros.
Não foi dito diretamente que se abatesse o animal, mas sim se ensinou: “ וזבחת מבקר
כאשר צויתי ומצאנ ” (“Vê zavachta me bacarcha u me tsonecha caasher tsiviticha” E
sacrificaras do seu gado e do seu rebanho conforme foi ordenado), para nos dizer que as
leis do abate foram dadas a Moises, nosso mestre, na montanha de Sinai. Diz se que estas
leis foram transmitidas a ele oralmente.

1.2 Do abate

A Guemará (O “Talmud”, aonde se encontram as explicações das leis orais da Torá)
ensina (no Tratado de Chulin na pagina 28.) que foi comandado a Moisés, nosso mestre,
que no abate deve-se cortar o esôfago e a faringe, sendo pelo menos um deles nas aves e
dois deles no animal.
Além disto, existem leis referentes a como o corte deve ser efetuado (sem pausas,
etc.) que devem ser obrigatoriamente respeitadas e que serão discutidas a seguir.

1.3 Que animais necessitam abate e quais não

Animais, Bestas e Aves necessitam abate enquanto peixes e gafanhotos não
necessitam abate.
Exceção feita ao animal encontrado quando do abate de sua mãe e este não tiver oito
meses de idade, o qual pode ser consumido depois de morto mesmo sem abate.

1.4 Animais que podem ser consumidos segundo a Torá

Os animais que podem ser consumidos segundo a Torá devem ser ruminantes e ter o
casco fendido, como é o caso dos bovinos, caprinos e ovinos, enquanto os que não possuem
estas características não podem ser consumidos nem devem ser abatidos pelos que seguem
a Torá. São enumeradas na Torá quatro espécies que possuem uma das características, mas
não as duas: o porco, o coelho, o camelo e a lebre, portanto não devem ser ingeridos.

1.5 Quem pode realizar o abate
A priori, todos podem realizar o abate, incluindo mulheres e servos.
A Mishná diz que a priori não realizam o abate חרש,שוטה וקט ("O Surdo, o tolo e o
pequeno") pois pode ser que eles "estraguem" o abate.
Sobre as mulheres, há quem diga que estas não devem realizar o abate. Outra
opinião é que estas podem realizar o abete para elas mesmas, desde que estejam aptas na
amolação e verificação da faca e versadas na lei do abate.

1.6 Quem deseja fazer Shechitá hoje em dia

Todo aquele que deseja se ocupar da abate conforme sua lei, deve primeiro estudar
todas as leis da Shechitá, e depois que estiver bem forte para saber suas leis, em todo lugar,
não deve abater para outros nem para si mesmo, senão que deve abater algumas vezes
diante de um Sábio até que seja bem sucedido três vezes em que sua mão esteja propícia e
ele não se canse. E existem lugares em que os Sábios antigos costumavam e decretaram que
nenhuma pessoa realize o abate para outros ou para si mesmo ou verifique o pulmão do
animal, ainda que ele seja versado nas leis do abate e da verificação senão que ele receba
autorização do Sábio, professor e orientador (More Horaá). E ele não receberá a
autorização do Sábio até que este o teste se ele sabe as leis do abate e da verificação, e se
ele sabe como amolar sua faca lisa e afiada, e consegue sentir a verificação de qualquer
reentrância no fio da sua faca, e também se costuma que os Magarefes e espertos na arte do
abate recebam uma carta do Sábio e que este lhe de autorização.

1.7 A benção do Abate
Antes de realizar a shechitá (abate ritual), o shochet deve realizar a benção “ אשר
קדשנו במצותיו וצונו על השחיטה ” (que nos santificou com seus mandamentos e nos ordenou
sobre o abate ritual).
Se aconteceu de ele realizar o abate sem antes ter feito a benção, o abate é valido
(casher).
Se houverem diversos animais para abater, ainda que sejam de espécies diferentes,
basta uma só benção, desde que o Shochet tenha-os em mente na hora de realizar a benção.
1.8 A Faca
Realizamos o abate com uma superfície afiada como uma faca de מתכת“ ” ou “ ”צור
(pedra afiada) ou vidro ou “ קרומית ” (“crumit” Osso de Costela [Rashi]) ou “ ”קנה האג
(Segundo Chulin . טז , é um tipo de madeira do lugar Agam) ou coisas cortantes
semelhantes, cuja ponta seja lisa e não haja nenhuma reentrância ( ) (הל` שחיטה פ"א יד  .(פג
O motivo para que não haja nenhuma reentrância é que se houverem reentrâncias
então ao invés de se chamar corte, o abate seria chamado de rasgo, pois a reentrância causa
furos nos sinais de abate (esôfago e faringe).
O Magarefe (Shochet) precisa verificar sua faca esta afiada na parte do fio e de cada
lado (conforme esta escrito “ אבשרא ואטופרא ואתלת רוחטא ” [Chulin : יז ] ). Ele deve verificar da
seguinte forma: ele percorre a faca com a ponta de sua unha indo e vindo, do começo da
faca até o fim, três vezes no fio e de cada lado da faca, de modo que não haja nenhuma
reentrância (dentes) e após verificar a faca ele pode abater com ela.
Ele também precisa verificar a faca após o abate, pois se ele encontrar qualquer
reentrância (o mínimo de dente ou arranhão no fio), o abate do animal é considerado “não
casher” e a carne deste animal não ode ser assim ingerida.

2. As Leis do Abate

Existem cinco leis que devem ser seguidas, caso contrário o abate se torna não
casher (impróprio para consumo segundo a Torá).
1) Shehiya: Não deve haver nenhuma pausa durante a realização do abate
2) Derassa: O Abate deve ser efetuado movendo a faca num movimento de ir e voltar –
e não através de pressionar a faca para baixo a faca. A faca deve ser então longa o
suficiente para permitir o abate sem muita pressão.
3) Chalada: Posicionar a faca entre a traquéia e o esôfago, cortando nesta posição
ל:) חולי ). Também a faca deve estar descoberta durante o abate.
4) Hagrama: O corte deve ser realizado no pescoço, entre o nível da laringe e a parte
inferior da traquéia e esôfago.
5) Ikur: A traquéia e o esôfago devem ser cortados e não rasgados. A faca deve ser,
portanto, muito afiada e lisa. Os menores dentes na lamina causam rasgo. Por esta
razão a faca é checada se está lisa e afiada antes e depois de cada abate.
O corte deve ser realizado no pescoço, entre a cricóide ( שפוי כובע ) e a “asa” do
pulmão .(אונה העליונה
No caso do abate de Bestas e Aves, o sangue deve ser coberto com terra ou
serragem.

3. Trefot

Moisés, nosso mestre, foi comandado em Sinai a verificar oito itens que invalidam o
animal de ser comido, o que e chamado de “Trefá”. Já a Mishná enumera dezoito tipos de
trefot enquanto o Rambam conta setenta tipos.
Comer um animal “taref” incorre numa transgressão de mandamento negativo e é
passível de ser punido com chibatadas (as quais eram administradas na época do Estado
Teocrático de Israel).
Os órgãos internos devem ser verificados, pois buscam-se doenças ou ferimentos
potencialmente fatais, além de aderências e mal-formações nos órgãos, o que desqualifica o
animal para ser ingerido segundo as leis da Torá. Este processo é chamado de Bedicá
(Verificação).
Dos oito tipos de treifot pela Torá, esta somente descreve um tipo (Derussa, vide
abaixo), como está escrito: ובשר בשדה טרפה לא תאכלו“ ” (U Basar ba Sadeh Trefa, Lô Tochlú
– E a carne do campo é imprópria [para consumo], não comerás). O Talmud (. מג  (חולי
descreve estas oito trefót:
1) Derussa – Substância venenosa introduzida no corpo do animal por um predador
que “o rasgue” com suas garras.
2) Nekuva – Paredes dos órgãos perfuradas.
3) Chasserá – Órgãos completos ou parte deles faltando.
4) Netulá – Órgãos ou parte deles tenham sido removidos.
5) Keruá – Paredes ou coberturas dos órgãos rasgados.
6) Nefulá – Fraturado por queda.
7) Pesuká – Condutos rompidos.
8) Sheburá – Fratura nos ossos.
Nicur – Retirada das Veias
Antes de “casherizar” a carne, nós devemos remover os vasos sanguíneos, nervos e
gorduras que a Torá nos proíbe de ingerir. Isto inclui a remoção do nervo ciático (conforme
foi discutido anteriormente). O nicur é executado no quarto dianteiro porque existem
muitas áreas no quarto traseiro que devem ser removidas a ponto que isto se torna não
economicamente viável. Todavia, em Israel, existem muitas pessoas especializadas em
nicur do quarto traseiro.
Gorduras (“Chelev”) de boi, bezerro (vitela com mais de oito dias), cordeiro entre
outros, são proibidas, assim como as principais veias e artérias que vão através do pescoço
e ombros. Também algumas membranas devem ser removidas. O nicur deve ser efetuado
antes de colocar a carne de molho e salgar (requerido para a casherização da carne).
Cortes Principais da carne do dianteiro
Entre os cortes mais comuns da carne do dianteiro estão a costela, o braço, o acém,
a bisteca, o pescoço, o peixinho e o músculo.
Salgação da Carne ou Casherização
Para tornar a carne casher (permitida para o consumo segundo a Torá), deve-se
deixar a carne de molho e salgá-la. O primeiro passo ao deixar a carne de molho serve para
remover o sangue. Além disto, ao deixar de molho a carne, esta mantêm os poros abertos.
Após lavar bem a carne é necessário deixar a carne de molho por meia hora. A água precisa
cobrir toda a carne.
Nas partes com sangue perceptível, é necessário esfregar a carne com a própria água
da imersão a fim de retirá-lo.
Nas aves, é necessário esfregar o local do corte ritual (shechitá). Também é
necessário lavar bem por dentro, nas partes onde o sangue for perceptível.
Se houver um hematoma na carne ou na ave, é preciso cortá-lo e retirá-lo antes de
colocar de molho.
Não se deve utilizar água muito gelada, pois neste caso a carne endurecerá e o
sangue não será retirado pela salga. Também não se deve deixar a carne na imersão ou mais
de 24 horas, caso em que tanto o recipiente quanto a carne ficam proibidos.
Quando a carne se encontrar congelada, é necessário que a mesma descongele. Para
tanto, ela não pode ser deixada próxima a um forno aquecido. Se não houverem mais
alternativas, é permitido a imersão em água morna.
É preciso que a água escorra da carne, a fim de que o sal não se dissolva e assim não
consiga retirar o sangue. E também não se deve deixar a carne secar totalmente, de modo
que o sal não solte dela.
Quanto ao sal, este não deve ser muito fino, de modo que não se dissolva sem tirar o
sangue. Também não deve ser muito grosso, a fim de que não se solte. Ainda é necessário
que ele esteja seco.
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Deve-se passar o sal na carne de todos os lados, de modo que nenhum lugar fique
sem sal. Quanto as aves, deve-se tomar o cuidado de salgar propriamente a parte interna
também.
A carne deve permanecer no sal por uma hora. Neste período ela deve ser colocada
em um lugar de forma a escorrer o sangue. Não deve ser colocada sobre um local liso,
como por exemplo o chão, pois desta forma o sangue não escorreria. Ainda assim, antes de
lavar a carne, ela deve permanecer num local aonde o sangue escorra.
Após a salga, a carne deve ser imersa em água três vezes.
No caso da ave, é conveniente retirar a cabeça, as veias do pescoço e a ponta das
asas antes de iniciar o molho (Shulchan Aruch Ioré Dea 69:1 e 2) e a salga.
Quanto ao fígado, este possui muito sangue, não sendo bastante a princípio somente
salgá-lo. É necessário cortá-lo bem e coloca-lo para assar no fogo diretamente. Antes disso,
ele deve ser lavado e deve-se colocar nele um pouco de sal antes de assá-lo. Após assá-lo,
deve-se lavá-lo a fim de se remover o sangue que ele expeliu. Deve-se lava-lo três vezes.
Após este procedimento, ele pode ser cozido ou ingerido.
Todavia, convém notar que ele deve ser assado diretamente no fogo e não é
permitido salgá-lo antes de assá-lo. Tampouco é permitido salga-lo junto com outras
carnes. Lembrando que a grelha deve ser casherizada no fogo antes de ser reutilizada.
É proibido ingerir ou cozinhar uma carne que não tenha sido salgada 72 horas após
o abate, a menos que esta tenha sido enxaguada. Neste caso, é permitido aguardar mais três
dias para salgá-la (Shulchan Aruch Ioré Dea 69:13). Todavia é permitido assá-la no fogo,
assim como fazemos com o fígado, a fim de casherizá-la após três dias sem salga.
Lembrando que não se deve escaldar a carne de nenhuma forma antes de casherizála,
pois neste caso a carne torna-se “Trefá”, porque a água quente coagula o sangue.
O processo do abate Industrial
Para a degola, o animal é encaminhado a um boxe próprio, que é normalmente
utilizado para o atordoamento do animal no abate não casher, onde fica exposta uma das
patas traseiras numa abertura, a qual é presa numa corrente com roldana, quando então o
boxe é aberto, sendo em seguida o animal suspenso parcialmente por um guincho. Um
gancho, normalmente em forma de “v” é colocado sobre a mandíbula do animal e seu
pescoço é tencionado. O shochet apóia então uma das mãos sobre o pescoço do animal, e
através do movimento descrito com a faca corta a pele, o esôfago e faringe (juntamente
com as veias jugulares e artérias carótidas), não devendo encostar o fio da faca nas
vértebras cervicais. Como foi dito acima, a incisão deve ser realizada no pescoço, sem
interrupção, sem movimentos bruscos, sem perfuração, sem dilacerações e não sobre a
laringe. Após a incisão, o animal é suspenso e segue para a sangria e esfola.
O shochet ou um mashguiach (supervisor rabínico) deve verificar se os sinais (traquéia e
esôfago) foram cortados, conforme foi explicado anteriormente. Durante a esfola, o animal
é aberto convenientemente para um shochet verificar as partes internas do animal, buscando
aderências e outras trefót (processo chamado de “bedicat pnimin”) e em seguida os
pulmões são retirados e inflados, para outro shochet realizar a verificação de aderências e
trefót do pulmão (“bedicat ruts”). Em seguida, um mashguiach prossegue carimbando as
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carcaças dos animais que são considerados casher após a verificação dos órgãos internos e
pulmões.
No Brasil, os animais também são verificados pelo Serviço de Inspeção Federal (o
SIF).
Outras questões técnicas pertinentes ao abate e salga da carne
Particularmente falando do abate e salgação de aves, existem problemas veterinários práticos em
relação a depenação, a danos na carcaça e a salga.
Industrialmente, se processam frangos não casher através de escaldação morna (58 ºC) e depenação a
quente (62 °C sem imersão). Como foi mencionado anteriormente, pelo problema “halahico” de cozinhar a
carne antes da salga, os animais devem ser lavados a frio (maximo de 7 °C) na industria casher de carne. Isto
causa basicamente dois problemas: má depenação e o emprego de maquinário adicional a depenação causa
danos a carcaça.
Entre os danos a carcaça podemos citar problemas científicos como foi encontrado em pesquisas, a
proliferação das bactérias Salmonela e Listeria (uma bactéria resistente a sal e ao frio), cuja contaminação é
grande em processos industriais casher, a qual é relacionada com o processo de salga.
Quanto a salga propriamente dita, a quantidade de sal em aves varia dependendo do rigor da lei
judaica no local do processamento industrial. Em geral, a ave casher possui 4 vezes mais sal do que a não
casher, orem na prática não se observaram variações significativas (mais de 0,1 %). O peito em geral contem
muito mais sal que as coxas e pés. A lavagem da carne das aves em água fria não reduz significativamente
(cerca de 15%) a quantidade de sal. De outra forma, já na carne vermelha o sal não aumenta
significativamente em quantidade por não penetrar mais de um centímetro na carne.
Shechitá é crueldade com os animais?
A Sagrada Torá nos orienta a não causar danos ou sofrimentos aos animais. Hoje em dia,
existe uma discussão ou controvérsia em paises desenvolvidos sobre ser a shechitá um
procedimento cruel. Na verdade, o abate ritual segundo a Torá é um procedimento humano e causa
o mínimo de dor ao animal em relação a outros processos.
Experimentos científicos recentes, como o realizado pelo Dr. T.Gradin em 1994 para
verificar se os animais sentem as incisões mostraram que os animais na verdade parecem nem sentir
a degola através da shechitá.
Experimentos ainda mais recentes, como o do Dr. S.Rosen, de 2004, ("Physiological
Insights Into Shechitá," publicado no The Veterinary Record (12 de Junho de 2004 Vol. 154))
mostram que o procedimento de shechitá para o abate é além de indolor, é mais humano.
Todavia, o problema já é antigo. Conta-se que o Sagrado Rabbi Israel Baal Shem Tov,
lavava sua faca de abate nas suas próprias lágrimas.
Mais ainda, "Uma vez que o Templo foi destruído" – declara o Talmud – "a mesa de todo
homem expia por ele." Sua mesa é um altar.
Comer carne com o devido preparo, tanto material quanto espiritual alegra o coração do
homem além de elevá-lo espiritualmente.